Por Jéssica de Assis Silva Montanari, Mateus de Campos Leme e Luiz César Ribas
O alimento saudável é essencial para manter nossas funções vitais. Ademais, há um forte
componente cultural na alimentação humana. O alimento, junto com a água, são fundamentais
para a sobrevivência e progresso das civilizações, não sendo raras as vezes em que foi a causa
de deslocamentos, migrações e extinções. Antigamente, a sociedade se adaptava à alimentação,
mas hoje a relação é inversa (MORLET, A. et al. 2019).
Por outro lado, nossos hábitos alimentares, considerando deste a produção de alimentos
até o seu consumo, se tornaram insustentáveis. A produção de alimentos, da forma como é
conduzida atualmente, gera significativos impactos ambientais, tais como, emissão de gás
carbônico, eutrofização e utilização excessiva de recursos naturais (TILMAN, 2001)
(BENNETT; CARPENTER; CARACO, 2001). Ainda, estima-se que um volume de
aproximadamente 30% a 50% da produção de alimentos não alcance o consumidor final e seja
descartado ao longo do processo de produção de alimentos (GUSTAVSSON, et al. 2011).
O sistema de alimentos, para melhor e mais sustentavelmente entender e atender as
demandas atuais da sociedade, deve considerar fatores como a urbanização, a dinâmica
capitalista e a segurança alimentar em tempos de mudanças climáticas. Isto passa pelo abandono
do comportamento econômico linear (onde o alimento seria tão somente produzido, consumido
e descartado), pela revisão do desperdício de recursos e alimentos, pela destinação e/ou
disposição final ambientalmente adequada de resíduos sólidos, pela prevenção e/ou mitigação
dos impactos ambientais negativos e, naturalmente, pela redução dos prejuízos econômicos
(MORLET, et al. 2019).
Tais aspectos passam necessariamente pela introdução de um movo comportamento
econômico não linear, ou seja, integrado ou circular. Desta forma, considerada dentro do
contexto de novas propostas de modelos econômicos para a produção de alimentos, a economia
circular tem se mostrado uma realidade bastante promissora na área alimentícia.
Neste sentido, note-se que os princípios da economia circular são advindos da ecologia
industrial, a qual visa reduzir o consumo de recursos e descartes no meio-ambiente através da
aplicação do conceito de metabolismo industrial dentro da ecologia. Nessa concepção, os sistemas industriais mimetizam os ecossistemas naturais, ativamente otimizando os processos
ambientais (AYRES, R.U., AUSUBEL, J.H., SLADOVICH, H.E., 1989).
A gestão alimentar tanto no meio rural quanto urbano, dentro da economia circular, deve
se propor à eficiência, eficácia, redução de impactos negativos tais como resíduos, bem como
à maximização do ganho econômico. Essa abordagem representa uma gama de novos e
desafiadores objetivos, como a redução do desperdício gerado pelo sistema alimentar, a
reutilização do alimento, a utilização de subprodutos e restos alimentares, além da reciclagem
de nutrientes e adaptações dietéticas que propiciem padrões de consumo mais diversificados e
eficientes, dentre outros (JURGILEVICH et al., 2016). Com isso, objetiva-se na esfera urbana:
i) a aquisição de alimentos cultivados de forma regenerativa e, preferencialmente, de produtores
locais; ii) o aproveitamento integral dos alimentos, e; iii) o desenvolvimento e comercialização
de produtos alimentícios mais saudáveis (MORLET, et al. 2019).
Ainda, é característico, na Economia Circular, que a atividade econômica seja tratada
separadamente do consumo de recursos findáveis, eliminando ou reduzindo a geração dos
resíduos do sistema desde o início, por exemplo. Neste sentido, segundo a ONU (Organização
das Nações Unidas), cerca de um trilhão de dólares são desperdiçados globalmente devido à
ineficiência do sistema alimentar linear (GUSTAVSSON, et al. 2011). Em adição, as perdas
econômicas no sistema alimentar ocorrem em diversos estágios e variam em países em
desenvolvimento e países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, de modo especial,
essas perdas ocorrem mais frequentemente durante a produção do alimento devido à falta de
tecnologia no momento da colheita, armazenamento, transporte e logística (LUNDQVIST, et
al. 2008).
Para tanto, uma gestão do sistema alimentar voltada para a Economia Circular deve
buscar apoio em diversas ferramentas como, por exemplo, a Inteligência Artificial (IA). Isto
porque, a IA, por meio de técnicas como machine learning e deep learning, dentre outras, têm
a capacidade de encontrar, de forma indutiva, padrões em grandes quantidades de dados
numéricos que permitem uma maior assertividade no processo de tomada de decisões com
respeito aos seus respectivos sistemas. Estas decisões, muito mais acuradas quando comparadas
ao cérebro humano, configuram, dentro do contexto da Economia Circular, sistemas
inteligentes direcionados a objetivos específicos.
De outro modo, a sinergia entre Economia Circular e Artificial é descrita por
diversos fatores, sendo assim, andam na mesma direção (RAJPUT; SINGH, 2019)
Assim, do ponto de vista da utilização da IA, numa abordagem econômica circular de
sistemas alimentares, seria possível, por exemplo, determinar o momento e as condições certas
da colheita, a quantidade certa a se produzir e a melhor forma de se distribuir produtos dos mais
diversos. Com isso, seria possível a obtenção da redução dos custos de produção, o aumento da
eficiência produtiva, a melhoria na qualidade dos produtos, a redução de desperdícios e
aumento na reciclagem de materiais (RAMADOSS; ALAM; SEERAM, 2018).
Note-se, neste sentido, que a startup CMV Solutions, uma foodtech, utiliza a Inteligência
Artificial no controle de estoque de bares e restaurantes. Como resultado disto, um bar de São
Paulo obteve uma redução de 10% para 2% em termos do desperdício de bebidas.
Outro exemplo da aplicação em campo, dentro destas premissas, é construção de um
protótipo para selecionar morangos verdes e morangos maduros, que aumenta a eficiência da
colheita e reduz as perdas nesse processo.
Em suma, pode-se inferir que a aplicação de uma forma cada vez melhor e mais intensa
da inteligência artificial na área alimentar certamente trará benefícios sociais, econômicos e
ambientais, diretos e indiretos, ao desenvolvimento de uma economia circular nos mais diversos
setores da respectiva cadeia produtiva, desde a geração da matéria prima, passando pelo
processamento dos produtos alimentares, até o seu estágio final, ou seja, junto ao consumidor
final.
Palavras chave: Custo, aproveitamento, desperdícios, sustentável.
Bibliografia:
- AYRES, R.U., AUSUBEL, J.H., SLADOVICH, H.E., Industrial Metabolism. In Technology
and Environment; Eds.; National Academy Pr: Washington, DC, USA, 1989; pp. 29–43.
- BENNETT, E. M.; CARPENTER, S. R.; CARACO, N. F. Human Impact on Erodable
Phosphorus and Eutrophication: A Global Perspective. BioScience, v. 51, n. 3, p. 227, 2001.
- GUSTAVSSON, J.; CEDERBERG, C.; SONESSON, U.; VAN OTTERDIJK, R.;
MEYBECK, A. Global Food Losses and Food Waste. Causes and Prevention; FAO: Rome,
Italy, 2011.
- JURGILEVICH, A. et al. Transition towards Circular Economy in the Food System.
Sustainability, v. 8, n. 1, p. 69, 12 jan. 2016.
- LUNDQVIST, J.; DE FRAITURE, C.; MOLDEN, D. Saving Water: From Field to Fork
Curbing Losses and Wastage in the Food Chain. 2008.
- MENDONÇA, Alex Torezin; MENDONÇA, Geovani Torezin. Automação no Agronegócio
de Pequeno Porte: Protótipo para Seleção de Morangos com uso de Visão
Computacional e Inteligência Artificial. 94 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de
Engenharia de Controle e Automação. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba,
2019.
- MORLET, A. et al. Cidades e Economia Circular dos Alimentos. Ellen MacArthur
Foundation. Resumo Executivo. 2019.
- RAJPUT, S.; SINGH, S. P. Connecting circular economy and industry 4.0. International
Journal of Information Management, v. 49, p. 98–113, dez. 2019.
RAMADOSS, T. S.; ALAM, H.; SEERAM, R. Artificial Intelligence and Internet of Things
enabled Circular economy. p. 9, 2018.
TILMAN, D. Forecasting Agriculturally Driven Global Environmental Change. Science, v.
292, n. 5515, p. 281–284, 13 abr. 2001.
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