Já faz algum tempo que as ferramentas mais utilizadas pelo indígena Siã Shanenawa para proteger seu território são drones e aparelhos de GPS. Desde que sua terra, a Katukina/Kaxinawá, foi classificada como uma das áreas de maior risco de desmatamento no Acre, segundo estudo do Instituto Imazon, Siã tem contado com a tecnologia de última geração. Desenvolvida em parceria com a Imazon e a Microsoft, uma das maiores empresas transnacionais de tecnologia do mundo, a ferramenta PrevisIA – que utiliza inteligência artificial de ponta – já detectou 878 quilômetros quadrados de terras que correm o risco de serem desmatadas.
No cálculo, consta 20 unidades de conservação e 29 territórios indígenas. Boa parte das áreas de risco se encontram próximas da fronteira com o estado do Amazonas. O município de Feijó, na região central do Acre, concentra a maior área que pode ser desmatada ilegalmente – cerca de 144 km quadrados. É ali que está localizada a Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, habitada pelos povos Huni Kui e Shanenawa.
Um deles é Siã Shanenawa, um dos 21 agentes agroflorestais da reserva de 230 quilômetros quadrados, que mora na aldeia de Shane Kaya. Siã, cujo nome em português é Ismael Menezes Brandão, ajuda no monitoramento digital para prevenir invasões ilegais de forasteiros que buscam se apropriar das terras para fins agrícolas. “É muito importante monitorar a terra porque nós, povos indígenas, ficamos mais seguros quando conseguimos detectar se alguém está invadindo, se alguém está tirando madeira da nossa terra, se alguém está caçando diretamente na nossa terra, se alguém colocou fogo perto da nossa terra”, disse Siã ao portal Mongabay.
O indígena e os demais agentes agroflorestais foram treinados pela Comissão Pró-Índio, entidade independente e sem fins lucrativos que luta pelos direitos dos grupos indígenas e outras comunidades marginalizadas. No treinamento, eles aprendem não apenas a monitorar e proteger seu território, mas também a manejar e cultivar terras agrícolas de maneira sustentável.
De acordo com o Siã, o monitoramento acontece inicialmente com abordagens moderadas, quando os agentes indígenas circulam por suas terras e conversam com os fazendeiros que atuam perto de suas divisas. “Quando podemos explicar às pessoas que nossa terra é protegida, elas entendem. Muitos ficam contrariados, dizendo que nossa terra é grande demais. Mas essa é a nossa terra, e eles precisam deixá-la em paz, não podem invadir com gado”, disse. Infelizmente, a ameaça de desmatamento na Terra Katukina/Kaxinawá é uma realidade no Acre, um dos estados com as mais altas taxas de desflorestação do Brasil.
Daí a importância de ferramentas inovadoras, que fazem uso do melhor da tecnologia, como os drones e a inteligência artificial. “A prevenção tem um melhor custo-benefício porque evita a perda florestal e previne o deslocamento das comunidades”, explica. “Precisamos mudar o paradigma local. Isso começa por entender o desmatamento que já ocorreu e o que está em risco”, explica Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon. “O próximo passo é desenvolver um plano de ação, com melhorias na infraestrutura governamental para monitorar e combater o desmate – o que inclui pessoal e equipamentos. Uma vez que tivermos um estudo de caso para mostrar o sucesso do plano de ação, outros lugares seguirão o exemplo.”
TREINAMENTO LOCAL
Desde 1996, a Comissão Pró-Índio vem treinando os povos indígenas em agrossilvicultura – arte de cultivar árvores em conjunto com culturas agrícolas – e manejo de terras no Acre. O primeiro grupo de ‘formandos’ contava com 15 indígenas de quatro reservas diferentes. Vinte e cinco anos depois, há mais de 200 monitores indígenas treinados em 29 reservas.
Para Julieta Matos Freschi, coordenadora do Programa de Gestão Territorial e Ambiental da CPI-Acre, a prevenção ao desmatamento é o que os povos indígenas mais fazem. Ela acrescenta que 98% da cobertura florestal do Acre se mantém intacta. “Todas as atividades em que a CPI-Acre trabalha têm algum impacto, direto ou indireto, sobre o desmatamento. A educação indígena é um processo contínuo, que começa com a demarcação oficial das terras e inclui professores e agentes de saúde”, disse.
Para ajudá-los nessa tarefa tão importante, há o sistema de monitoramento, que utiliza também drones e GPS para reunir informações sobre invasores e incêndios. Em posse dessas informações, eles as enviam à Funai, a Fundação Nacional do Índio. No entanto, Siã pontua que monitorar a terra não é um dever apenas dos agentes agroflorestais treinados, mas envolve toda a comunidade: “É papel do cacique, dos moradores, que também têm consciência disso. O monitoramento pertence à comunidade, pertence ao povo”, diz ele.
“Isso nos deixará protegidos, especialmente agora com esse governo que está tentando acabar com a floresta. A floresta em pé é vida para todos, não só para os povos indígenas, porque a floresta reduz um pouco o calor e faz o controle do ambiente no nosso planeta, né? Estamos sempre protegendo a floresta para que não tenha desmatamento”, completou.
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